Alphaville: da vida calma ao pesadelo de trânsito e filas 28/02/2011 via O Estado de S. Paulo
[O Estado de S. Paulo] - 27/02/2011
"Cemitério dos vivos." Era assim - com esse, digamos, carinhoso apelido - que a dona de casa Elaine Prado chamava Alphaville quando se mudou para a região, há cerca de 18 anos, com marido e dois filhos. "Não tinha nada, absolutamente nada, um sossego, só mato e casas", lembra, com um sorriso irônico no rosto, enquanto faz compras às 15 horas de uma quarta-feira. Atualmente, esse é justamente o único horário que ela consegue ir ao supermercado.
Ir ao shopping ou ao centro comercial de Alphaville de manhã ou no fim da tarde virou tarefa impossível para Elaine. Restaurante de dia de semana? Também nem pensar. "Agora tenho de seguir o horário dos outros, porque aqui virou um inferno. Já às 7 horas está tudo parado; na hora do almoço, ninguém anda; no fim do dia, vira um estacionamento de carros", resume ela, já sem o menor sinal de sorriso. Após 18 anos morando no "cemitério dos vivos", na ironia das ironias, Elaine quer agora fugir de toda essa confusão e voltar para São Paulo.
Um passeio por Alphaville, no município de Barueri, a 26 quilômetros da capital, basta para atestar o fenômeno. O bairro criado para ser cópia dos subúrbios americanos está virando uma espécie de Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, com seus prédios espelhados, torres residenciais e espigões empresariais. Com o inchaço do loteamento e de seu entorno nos últimos anos e a atração dos incentivos fiscais, diversas empresas se mudaram para a região. Para se ter ideia do cenário, o setor de imóveis corporativos já cresceu 750% desde 2003.
Hoje o número de pessoas que saem diariamente de Alphaville para trabalhar em São Paulo já é quase igual ao de moradores da capital que se deslocam a Alphaville para trabalhar na região. Só que a estrutura do bairro não acompanhou esse ritmo - como pode ser visto pelos congestionamentos e filas em restaurantes, lojas, bancos, supermercados e farmácias.
Moradores mais antigos lembram com certo saudosismo de quando algumas praças da região ostentavam uma placa em que se lia: "Não faça surgir em Alphaville as razões que fizeram você sair de São Paulo." O pedido não deu resultado. Com a saturação de sua estrutura, Alphaville vai se transformando em um exemplo de como o desenvolvimento sem planejamento acaba com a qualidade de vida dos moradores.
São 12h50 da quarta-feira e já não há mais vagas no valet de vários restaurantes da Avenida Rio Negro, uma das principais artérias da região. Fifties, Galeto"s, Almanara e outras redes de lanchonetes estão abarrotados. O trânsito é idêntico ao dos Jardins, da Avenida Paulista, da Brigadeiro Faria Lima. No horizonte, gruas trabalham sem parar na construção de dezenas de prédios - muitos espelhados, outros de estilo neoclássico, que imitam os da capital. É como se o "american way of life" tão propagado de Alphaville tivesse definitivamente se rendido ao "paulistano way of life".
Residenciais ganham mais escritórios que SP
Placa a placa, slogan por slogan, o boom de novos empreendimentos comerciais em Alphaville pode ser acompanhado pelos outdoors das construtoras espalhados por todo o bairro. "Nove torres, alto padrão", "O condomínio sob medida para sua empresa", "Uma oportunidade única". Trata-se de um exercício aparentemente sem fim.
No último trimestre do ano passado, Alphaville teve mais lançamentos de espigões empresariais do que a capital paulista - foram 24.400 m² construídos, ante 17 mil m² erguidos na região dos Jardins e das Marginais, de acordo com levantamento da consultoria CB Richard Ellis. Enquanto o mercado cresce 3% ao ano, Alphaville experimenta taxa de 20% - nos próximos dois anos, deve chegar aos 50%.
"Em 2005, Alphaville tinha 250 mil m² de escritórios. Hoje são 432 mil m²", diz Adriano Sartori, diretor de locação da CB Richard Ellis. "O que aconteceu é que a capital ficou cara, então as empresas começaram a procurar outras regiões. Claro que hoje é preciso investimentos, principalmente em transporte, em modernização, porque a região cresceu demais."
A maioria das empresas que se instalaram nos últimos anos nas imediações de Alphaville deixou as antigas sedes em endereços nobres da capital em busca de economia. Enquanto a alíquota do Imposto Sobre Serviços (ISS) na capital é de 5% sobre o faturamento, em Barueri é de 2%. Para grandes companhias, a mudança significa um ganho de milhões ao longo do ano.
Empregados. Quem nem sempre sai em vantagem são os funcionários. O gerente de projetos Carlos Suzuki, de 49 anos, que presta serviços para uma administradora de cartões de crédito com sede em Alphaville, viu as despesas de deslocamento duplicarem desde que passou a deslocar-se da Vila Mariana, onde mora, para Barueri. "São R$ 140 de pedágio e R$ 350 de álcool por mês", contabiliza. "Antes gastava metade com o combustível."
O porta-voz da empresa Alphaville Urbanismo, responsável pelos condomínios, não foi encontrado para comentar sobre o inchaço da região, segundo a assessoria de imprensa da companhia. A Prefeitura de Barueri, que engloba os residenciais, já aventou a possibilidade de construir um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) para ligar a Linha 8-Diamante da CPTM ao bairro. Procurados pela reportagem, nem o prefeito Rubens Furlan (PMDB) nem seus secretários quiseram comentar os entraves urbanísticos. Em nota, a prefeitura diz que "tem se preocupado em realizar ações para atender à demanda".
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